PLC 177/2017: um retrocesso para a categoria secretarial


Amanhã, dia 17 de maio de 2022, estará em pauta no Senado brasileiro a maior proposta de desmonte profissional voltada especificamente para a categoria secretarial. O pior disso é saber que foi encabeçada por profissionais de secretariado de diferentes setores representativos,


O Projeto de Lei da Câmara nº 177, de 2017, de iniciativa do Deputado Federal Marcos Montes (PSD/MG) é um marco na história do secretariado brasileiro, ao criar uma categoria secretarial, o Tecnólogo em Secretariado, e atualizar as atribuições do técnico, tecnólogo e secretário executivo. O PLC é fruto dos debates ocorridos desde 2013, por ocasião do Projeto de Lei nº 6455/2013, de mesma autoria, que daria nova redação à Lei 7377/1985 e autorizaria a criação do Conselho Federal de Secretário e Técnico de Secretariado Executivo e os Conselhos Regionais de Secretariado Executivo e Técnicos de Secretariado Executivo.


Lembro bem da audiência pública que ocorreu na Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia 12 de maio de 2015, para debater a PL 6455/2013. Diversas personalidades do secretariado estavam presentes, inclusive de outros estados brasileiros. Diversos e aflorados discursos versaram sobre os pros e contras do Projeto de Lei. Recordo especialmente da fala da professora Rosimeri Sabino, que muito sabiamente questionou um inciso que responsabilizava a/o profissional de secretariado executivo a “manutenção” de equipamentos eletrônicos de secretaria. Após a audiência, o processo seguiu a curtos passos e com mudanças significativas em seu texto original, inclusive a retirada da criação dos Conselhos, demanda levantada fortemente pelas/os representantes dos coletivos representativos da nossa classe. Tanto mudou, que um novo Projeto de Lei foi instaurado.


Os pontos defendidos pelas pessoas que encabeçaram a proposta:

  • O discurso da modernização e atualização das atribuições da/o profissional de secretariado;

  • A necessidade de representação legal da realidade secretarial, subdividindo a categoria Secretário Executivo em bacharéis e tecnólogos;

  • A criação do Conselho Federal de Secretário e Técnico de Secretariado Executivos, bem como dos Conselhos Regionais, com o objetivo de fiscalizar a atuação e contratação profissional.


O que não sabiam é que estavam cavando a própria cova, já que a proposta dos Conselhos foi retirada do novo Projeto de Lei; a modernização das funções abre brechas para a super exploração profissional; e, o pior de tudo, cria uma categoria que substituirá facilmente os bacharéis em Secretariado Executivo, com um piso salarial mais baixo, exercendo as “mesmas funções” (sabemos que o mercado de trabalho não distingue bacharéis e tecnólogos). Expliquemos:

Com a nova redação, os Tecnólogos em Secretariado estão acima dos técnicos, legalmente falando, e abaixo dos Secretários Executivos. Logo, teremos que adequar os pisos salariais, incluindo a nova categoria, que não receberá o salário da superior, mas ainda receberá mais que o técnico. O que não foi pensando pelo grupo que defendeu a “modernização da lei” é que as empresas terceirizadas, por exemplo, podem optar por contratar somente tecnólogos em secretariado, para pagar salários menores, com o respaldo legal. Nisso, você pode me dizer: mas Jefferson, a fiscalização verificará o exercício profissional para ver se não está ocorrendo o desvio de função e o enquadramento errado. Quem fará isso? Ao nível legal, de acordo com a nova redação, o tecnólogo é o secretário setorial, gerencial, sendo assim como distinguir em setores específicos se o profissional que precisam necessita ser secretário executivo ou um tecnólogo? Somente pelo bilinguismo?


Junto a isso, observamos nos últimos anos um movimento muito forte de transformação de diversos cursos de bacharelado em tecnólogos em secretariado, conforme dados do site e-MEC. Antes disso, já víamos o movimento de mudança das grades curriculares, em que diversos cursos mudaram de Secretariado Executivo Bilíngue ou Trilíngue para somente Secretariado Executivo. Para você ter uma ideia, temos hoje no Brasil 54 cursos de bacharelado em secretariado, presenciais e a distância, e 75 tecnólogos. Enquanto 34 dos cursos de bacharelado ofertam de 40 a 140 vagas anuais, temos 19 tecnólogos ofertando milhares de vagas, só o da Universidade Paulista, por exemplo, está autorizado a ofertar 73.260 vagas.


Sendo assim, temos hoje um número alto de tecnólogas e tecnólogos em secretariado que, pelo registro profissional, encorpam a categoria “Secretário Executivo”, estabelecida na Lei de Regulamentação de nossa profissão, ouso até supor ser um número maior que o de bacharéis. O que acontece é que antes do PLC 177/2017, tínhamos dois grupos, tecnólogos e bacharéis, apoiando-se e constituindo a mesma categoria, com a nova redação, isso se fragmenta, descaracterizando-a e reduzindo-a drasticamente — o que pode ocasionar no enfraquecimento da luta e da identidade secretarial, que em meio aos perrengues da vida tentaram se estabelecer nos últimos anos.


Pois bem, a análise inicial está tomando mais tempo do que imaginei, então para otimizar a sua leitura, vamos aos pontos emblemáticos da nova redação:

  • Não cita a criação dos Conselhos de Classe — o que era de se esperar, tendo em vista que estamos falando da criação de novos órgãos públicos, que ocasionaria num alto custo para a administração pública;

  • Quando no Art. 2º estabelece a nova categoria, não especifica que ela é composta por profissionais diplomados em cursos superiores de tecnologia em secretariado, somente cita “profissional diplomado no Brasil em curso de Tecnologia em Secretariado”. Dias atrás, debatíamos em um grupo de professores sobre um curso de curta duração ofertado por uma instituição privada que se intitulava “Curso de Secretariado Executivo”, utilizando ilegalmente a nomenclatura prevista na Lei de Regulamentação da Profissão. Imagina quando tivermos uma redação que não sinaliza que o curso de “Tecnologia em Secretariado” precisa ser superior. Imagine os cursos que surgirão utilizando a nomenclatura para garantir o registro; as instituições que lucrarão com formações baratas e rápidas com o título de “Tecnologia em Secretariado”, sem a fiscalização da qual os cursos de graduação são submetidos; e os salários que serão ofertados a essa nova categoria que não é obrigada a ter um diploma de graduação.

  • Setorialmente, será o Tecnólogo em Secretariado que prestará a assessoria executiva; logo, para quê contratar um Secretário Executivo para um setor específico, sendo que posso contratar alguém que fará o mesmo com um piso salarial mais baixo? Não veremos, ouso dizer, esse movimento acontecendo nas empresas privadas, já que primam pela entrega e arcam com custos altos para garantir a qualidade de sua equipe, mas imagine como as empresas terceirizadas que prestam serviços para órgãos públicos receberão essa nova e rica possibilidade de adaptação.


Vejam: compramos gato por lebre. Isso, com o apoio de representantes da própria categoria secretarial que mancharam seus nomes na história do secretariado, alguns por ingenuidade, outras/os por egoísmo. É sabido o recorte que muitos profissionais fazem entre bacharéis e tecnólogos, como se esse segundo fosse inferior ao primeiro ou merecesse menos. Isso acontece nas representações de classe, na academia secretarial e nos discursos de muitos profissionais. Há um preciosismo sem limites, que prefere se prejudicar e prejudicar a categoria do que retroceder numa decisão. Um preciosismo que não só prejudica a categoria secretarial na totalidade, mas descaracteriza a profissão, enfraquecendo as lutas e as identidades secretariais, ao tempo em que estabelece rachaduras difíceis de serem recuperadas.


Venho há tempo defendendo a unificação da categoria secretarial, incluindo os profissionais que prestam assessoria executiva, com formações na área de Ciências Sociais Aplicadas ou Gestão e Negócios. Mas parece que ao darmos um passo para a frente, damos dois para trás. 



Há uma saída para tecnólogos em secretariado


Caso ocorra a aprovação do PLC, há uma saída para tecnólogos em secretariado que se formaram em cursos superiores de Tecnologia: solicitar o registro profissional como Secretário Executivo, não na nova categoria.


Isso mesmo, não alteraram a categorização do “Secretário Executivo”,  “o profissional diplomado no Brasil em curso superior de Secretariado, legalmente reconhecido, ou diplomado no exterior em curso superior de Secretariado, cujo diploma seja revalidado na forma da lei” (redação proposta no PLC 177/2017). Como os cursos superiores de Tecnologia em Secretariado são cursos de graduação, mantêm-se a brecha. 


O que prevejo é que provavelmente haverá uma expansão da oferta de vagas para Tecnólogos em Secretariado, mas com um piso salarial abaixo do Secretário Executivo; em simultânea, a diminuição de oferta de vagas para Secretários Executivos (eu espero de verdade que essa minha segunda previsão esteja totalmente errada); e, por fim, a iniciativa privada mantendo o modus operandi, contratando profissionais altamente qualificados para suas vagas, independentemente da nomenclatura e da formação.


É lamentável, enquanto categoria, termos que viver isso em pleno período pandêmico, mas é a colheita do que um grupo pequeno de profissionais de secretariado vêm plantando nas últimas décadas. Os custos do egoismo de algumas pessoas, do silenciamento de quem realmente defende a profissão e da ausência da massa secretarial nos processos de decisão em prol da categoria.


Se posso sugerir algo é: sigamos na contramão em relação aos discursos fragmentadores, unificando a categoria, acolhendo nossos colegas de profissão, rompendo muros, preciosismos e delimitações desnecessárias, caminhando sempre em direção ao nosso melhor.


Se posso crer em algo é: que esse PLC não seja aprovado e consigamos fazer uma reforma que unifique a categoria e não crie mais muros do que já temos, nem mais intensificações do que já vivemos, nem diminua salários e benefícios para nossos colegas de profissão. 


Eu creio que podemos mudar, mas para isso precisamos de reformas, não contrarreformas.


Comentários

  1. Prezado Jefferson Sampaio, não tenho nada a acrescentar, concordo com cada parágrafo deste artigo. Tenho muito interesse no assunto. Obrigada por compartilhar e explicar tão bem este PLC.

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