Uma vez secretário/a, sempre secretário/a: uma análise do modus operandi secretarial


A atuação secretarial como um ecossistema complexo

A atuação secretarial, inclusive a própria identidade secretarial, não é estática, amorfa, mas sim um ecossistema complexo de trocas mútuas: ao tempo em que o sujeito é transformado pelas demandas organizacionais, ele remodela práticas e processos com sua atuação intencionalmente direcionada.

Em nenhuma hipótese a/o profissional de secretariado será objeto de pesquisa, pois a sua existência impregna de subjetividade qualquer análise sistematizada das práticas e vivências secretariais.

A subjetividade é entendida como a relação do sujeito com o meio, em que a constituição do primeiro está diretamente relacionada às variáveis da realidade na qual está inserido — social, cultural e histórica. 

No âmbito do secretariado, é comum encontrarmos textos, artigos e livros que centralizam as práticas e resultados ao profissional, perdendo a dimensão das variações sociais que influenciam diretamente nessas práticas e resultados. É certo que a/o secretária/o é a pessoa especialista em assessoria executiva no setor em que atua, todavia esta responde diretamente aos insumos que recebe rotineiramente, não só os do âmbito profissional. O cansaço ocasionado pela intensificação da prática profissional sem o descanso devido é um fator que pode influenciar diretamente nos resultados de suas ações, por exemplo. Atuar em uma empresa que não permite esse profissional ofertar o melhor de si, que cerceia sua atuação profissional, ao tempo em que oferta benefícios de pouco impacto real em suas vidas, é outro exemplo.

Muito dos resultados que obtemos depende da atuação crítica, proativa e sistemática do profissional de secretariado, todavia existem variações que rompem os limites da atuação, como as relações hierárquicas e de poder, o preconceito por trás do ser secretária/o, o machismo que ronda os escritórios, já que tais escritórios estão inseridos em uma sociedade perpassada pelas relações de gênero, a precarização e a intensificação do trabalho, por vezes respaldadas por legislações e normativas que tornam tais práticas legais, e o íntimo e sutil discurso de descontextualização social, centralizando o profissional como o único culpado pelo seu sucesso ou insucesso.

Nesse sentido, a pesquisa secretarial pode auxiliar profissionais nessa compreensão das dimensões que perpassam e interseccionam seu trabalho. Daí a importância da teoria crítica secretarial, que venho propondo nos últimos anos,  rompendo os muros do pragmatismo e imbricando suas análises aos fenômenos sociais que impactam diretamente no ser secretária/o.

Pesquisar criticamente é refletir intencionalmente possibilidades de construção de uma sociedade mais justa e igualitária, partindo de uma reflexão elaborada e sistemática que questione os cenários de violência, exclusão social e violação de direitos básicos necessários para se viver uma vida digna.

Vale sinalizar que o mundo acadêmico é repleto de disputas teóricas e metodológicas, de modo que cada uma delas direciona para um rumo, ainda que trabalhe com a grande temática secretarial. Pesquisas de caráter pragmático tendem a focar suas análises em situações e processos concretos, enquanto pesquisas críticas focam nas relações humanas e sociais que perpassam a prática profissional. Ao se estabelecer enquanto teórico crítico, o pesquisador direciona seus debates para a compreensão da prática contextualizada à realidade social da época e do coletivo. Nesse sentido, o caráter social passa a ser também o objeto de estudos: não se quer saber somente o que se faz, mas o motivo e as construções sociais por trás deste fazer (relações de poder, intensificação do trabalho, violação de direitos, qualidade do ensino a que esse profissional teve acesso, os preconceitos por trás da prática profissional, dentre outros aspectos).

Na pesquisa crítica, a história, a cultura e a sociedade são dimensões que transversam a análise direcionada. É como se houvesse uma articulação íntima difícil de ser dissolvida, em que cada sujeito refletirá as práticas, vivências e dores que vivenciou em suas relações sociais. O sujeito está imerso em uma rede de construções que modalizam as suas ações e ao entendermos essas construções conseguimos desbravar o motivo de algumas posturas e práticas.


A assessoria é uma prática inerente ao indivíduo social

A assessoria é uma prática inerente ao indivíduo social. Assessorando ou sendo assessorado. Ela se manifesta no íntimo das relações humanas na prática intencionalizada de estabelecimento de laços sociais, em uma rede complexa de alteridade, troca e subjetividade.

Ao analisarmos a assessoria por esta ótica, entendemos que ela perpassa toda e qualquer prática social de colaboração, compartilhamento e troca, ao tempo em que rompe os muros das organizações, encontrando no mais íntimo desejo de ajudar o outro o seu DNA, os seus primórdios.

Com o decorrer do tempo, esse fenômeno passa então a ser estudado e formado, partindo especificamente das demandas do mundo do trabalho. Passamos então do saber assessorar para o conhecer e dominar o assessoramento. O saber bruto passa a ser sistematizado, processado, entendido e divulgado.

Para isso, diversas técnicas foram, são e podem ser utilizadas. No âmbito profissional, vemos, por exemplo, a construção de fluxogramas e as pesquisas de mercado como técnicas para padronização de práticas, otimização de resultados e ampliação dos lucros. No acadêmico, a pesquisa de campo, os estudos de caso e as pesquisas explicativas e descritivas, surgem como alternativas para a compreensão do fenômeno secretarial.

Em ambos os casos, profissional e acadêmico, o método secretarialprática profissional de secretariado com foco no estabelecimento de rotas estratégicas direcionadas à compreensão e sistematização da ação e/ou obtenção de determinado objetivo profissional ou corporativo, que gere valor, maximize resultados, potencialize ações e otimize o uso de determinados recursos — manifestou-se, ainda que no mundo acadêmico ele seja encarado como metodologia científica pura.

O que distingue o método secretarial do científico puro é o seu caráter de intencionalidade e aplicabilidade profissional. Repito: em nenhuma hipótese a/o profissional de secretariado será objeto de pesquisa, pois a sua existência impregna de subjetividade qualquer análise sistematizada das práticas e vivências secretariais. O mesmo se aplica ao pesquisador secretarial, que em nenhuma hipótese conseguirá se desprender do secretariado ao realizar pesquisas científicas, de mercado ou profissionais. Uma vez secretário/a, sempre secretário/a, por isso da necessidade de compreendermos a nossa prática metodológica como uma prática secretarial.

O modus operandi dos profissionais de secretariado é tipicamente secretarial, está impregnado de assessoria, encharcado de identidade secretarial. Quando construo um fluxograma, utilizo de conhecimentos articulados de sistematização trabalhados em nossa formação, em diferentes disciplinas, que integramos com foco em uma atuação estratégica (pegamos saberes e conhecimentos fragmentados de áreas e os ressignificamos na nossa prática, dotando-os de identidade secretarial). Quando construo um artigo, a minha leitura de mundo, integrada e globalizada, tende a se manifestar nas escolhas dos métodos, das técnicas e das abordagens de análise. Não há neutralidade, nem desvinculação, em tudo somos secretários/as executivos/as. Passamos a olhar o mundo por esta ótica e por ela norteamos nossas ações.

Reflita sobre isso.

Eu te encontro semana que vem, neste mesmo blog, neste mesmo horário.

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Como citar este texto no seu trabalho acadêmico:

MOURA, Jefferson Sampaio de. Uma vez secretário/a, sempre secretário/a: uma análise do modus operandi secretarial. Blog Um Sampaio, 2022. Disponível em <inserir link> . Acesso em XX mês de ano.

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