Por uma metodologia aplicada à construção do conhecimento secretarial




Como comentei em meus outros textos, não precisamos ser uma ciência para refletir de modo elaborado a nossa atuação. Esse é o nosso ponto de partida. Uma informação precisamos ter bem estabelecida em nossas mentes: o país onde o secretariado é mais organizado, no que se refere à legislação, código de ética, cursos de graduação e pós-graduação e órgãos de classe é o Brasil. Há a incidência de cursos de ensino superior de secretariado na Argentina e no Peru (verificar http://www.secretariasenred.com/uploads/INSTITUTOS%201.htm) e em Portugal (verificar http://www.universia.pt/estudos/secretariado-trabalho-administrativo/dp/682). Além disso, é possível ver uma organização das profissionais de secretariado em Moçambique, Suíça, Espanha (verificar https://aspm.es/ e http://dev.tussecretariasonline.com/) e Portugal (verificar http://www.asp-secretarias.pt/). Em vários outros países, é possível perceber a incidência de cursos de curta duração para atuar como assistente, auxiliar administrativo e secretária.

Como organização legal, somos o país onde o secretariado é mais bem estabelecido. Nisso, é importante que pensemos o secretariado em uma ótica sul-americana e latina; como uma atuação das ciências sociais aplicadas; como uma área de excelência; como uma profissão que ainda sofre com alguns paradigmas negativos e com o machismo acentuado presente em nossa sociedade; e que não precisa ser ciência para confirmar e reafirmar a sua excelência. São pontos de extrema importância para pensarmos em uma metodologia aplicada à construção do conhecimento secretarial.

Nas ciências, como comento em outros textos, somos uma área bem peculiar, visto que muito de nossa atuação está, diretamente, ligado ao modo de ser das organizações, logo o fazer secretarial vai apresentar funções e atividades diferentes para cada empresa. Haverá sempre as atuações comuns, como o agendamento, atendimento telefônico, organização de reuniões, arquivamento de documento, dentre outras atividades. Todavia, é possível encontrar várias formas de se fazer uma mesma coisa e de desempenhar determinada atividade. Isso acaba influenciando na dificuldade do secretariado em conseguir mapear, nos modos científicos tradicionais, as suas funções e consequentemente propor uma ciência secretarial. Em algumas áreas é possível fazer esse mapeamento de modo bem estruturado, ajudando na construção de suas ciências.

Com base nisso, é possível se afirmar que dificilmente conseguiremos estabelecer padrões únicos de se fazer algo no secretariado – vale dizer que algumas de nossas funções são regidas por leis e/ou decretos, o que interfere no padrão de execução, entretanto é possível se estabelecer formas diferentes de se fazer algo e no fim obter sucesso na aplicação. Nisso, muito do que fazemos está baseado nas experiências profissionais de outros, nem sempre teorizadas e sistematizadas, acaba que vamos fazendo com base na "intuição" e/ou orientação de um/a profissional de secretariado mais antigo da organização. 

É percebido no século XXI uma intensificação do debate mais elaborado acerca do exercício secretarial, onde podemos notar a presença de eventos acadêmicos e científicos na área, como o Congresso Internacional do Secretariado, Congresso Nacional do Secretariado, Encontro Nacional dos Estudantes de Secretariado, Encontro Nacional dos Acadêmicos em Secretariado, dentre outros eventos.

Tais eventos possibilitam um debate mais rebuscado sobre a profissão, mas todos apresentam um ponto que precisamos refletir: o seguir padrões científicos eurocêntricos (construídos na Europa antiga, por intelectuais específicos) em uma realidade latina, em uma função das ciências sociais aplicadas que não é reconhecida como uma ciência. Sendo mais objetivo: pedimos para uma pessoa construir um artigo de até 12 páginas seguindo os padrões metodológicos eurocêntricos estabelecidos, as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, usando a terceira pessoa do singular e mantendo um padrão de referência baseado na leitura de clássicos da literatura específica, caso ela queira apresentar um trabalho em um evento. Eu forço um/a profissional de secretariado, que fez um curso de tecnologia ou bacharelado aplicado, a construir um artigo científico, sendo que no exercício profissional dele essa não é uma demanda cotidiana, caso ele não trabalhe na docência. Aí podemos citar outra loucura: forçamos um/a estudante a construir um artigo ou monografia ao término de seu curso, com base em conhecimentos que nem sempre são aplicados ao seu fazer profissional. Não afirmo que não deva haver um TCC no formato de artigo ou monografia, o que digo é que esses formatos de TCC não podem ser os únicos, considerando a atuação e o perfil do egresso que pretendemos formar. Teremos sim, estudantes que seguirão a vida acadêmica, logo focarão nisso desde suas graduações, mas a maioria não seguirá, não é um perfil do secretariado. Somos uma área aplicada, não uma área com fim acadêmico.

Algumas questões não são possíveis flexibilizar, como o uso das Normas Técnicas estabelecidas pela ABNT, mas precisamos urgentemente, adotar uma política de implementação de epistemologias e metodologias do sul. Ou seja, construir métodos, conceitos e modos de se fazer baseados na nossa realidade, sul-americana, dado que não estamos na Europa, não somos uma ciência, nem precisamos ser para continuarmos sendo de excelência, e não precisamos forçar a barra para sermos aceitos e reconhecidos nas Universidades. 

Temos hoje no mundo do trabalho, profissionais de extrema excelência no que se propõem a fazer. Profissionais que fazem, que executam, que assessoram, que dominam tudo que foi trabalhado em suas formações, que conseguem pontuar os conteúdos da psicologia, da arquivologia, da administração e das relações públicas que o ajudam a exercer a profissão. Que dominam as técnicas secretariais ao tempo em que desenvolveram formas diferentes de se fazer algo conforme o perfil da empresa onde trabalham e as peculiaridades da organização. Profissionais que tem muito a contribuir no debate de mapeamento e conhecimento de nossas funções e das possibilidades de atuação. Profissionais, que devido a alguns moldes adotados por alguns grupos representativos, estão silenciados e são inferiorizados em prol de padrões que não importam para a atuação deles. Isso afasta profissionais dos eventos acadêmicos, tem desmotivado vários que tentam de algum modo transmitir suas experiências para os outros. Dizem: se você não fez um mestrado ou doutorado, você não sabe que está falando; se você não leu determinado livro ou tese, você não consegue opinar; se você atua em empresas pequenas, sua experiência não nos importa… Isso é violento, extremamente violento. Não precisamos fazer isso para nos estabelecer como área do conhecimento que trabalha o seu fazer de modo reflexivo, sistematizado e consciente.

Para fins de reflexão, lanço algumas ideias que poderíamos amadurecer no secretariado:
  • estudo de caso como método mais interessante, considerando que as atuações vão se diferenciar de empresa para empresa. (O estudo de caso é quando você opta por fazer uma pesquisa direcionada a um grupo, logo os dados estão ligados a esse grupo, não podendo ser generalizado e aplicado ao todo, considerando a peculiaridade dele);
  • pesquisa qualitativa como forma mais interessante no que se refere a obtenção dos dados e conhecimento do fenômeno, visto que as atuações são distintas e precisamos entendê-las em suas distinções, não conseguindo assim ter uma visão mais ampla aplicando questionários com respostas fechadas. Vale dizer que não estou desmerecendo o método quantitativo, o que digo é que será às vezes mais interessante pedir que a pessoa fale sobre o seu exercício, em vez de preencher um "quadradinho" de sim ou não;
  • relato de experiência pode ser utilizado como uma modalidade de apresentação, onde a pessoa não precisa construir um artigo para comunicar um saber.
  • A construção de textos mais elaborados precisam sair do senso comum e buscar uma confirmação ou comprovação com base em estudos mais complexos. O senso comum não é visto como verdade absoluta, mas como ponto de partida;
  • O relato de experiência é acerca de uma experiência individual ou coletiva que representa um grupo de modo não generalista. Logo, não posso afirmar que aquele dado tão direcionado e fragmentado, baseado em minhas experiências, pode ser encarado como verdade absoluta e inquestionável;
  • Os TTCs dos cursos de graduação preverem outras modalidades além da construção de uma monografia ou artigo. No IFB, por exemplo, nosso TCC apresenta três modalidades: a organização de um evento (feito em grupo de até 7 pessoas), a construção de um projeto interventivo para uma empresa (até 3 pessoas) e a monografia (individual). Cada modalidade está baseada em um ano de formação de nosso curso. É importante que o TCC abra possibilidades além do artigo ou monografia. Repito: não somos uma área com fim acadêmico, a academia é uma possibilidade somente;
  • Que as experiências de todos os profissionais, independentemente do tamanho da organização onde trabalham, sejam valorizadas em sua essência e tenham o direito de fala garantido;
  • Que as comissões científicas dos eventos proponham formas distintas de se apresentar ideias, projetos e pesquisas, baseando-se no perfil da profissão, sem idealizar de modo violento e ignorante a atuação profissional, mas valorizando as diversas formas do fazer secretarial;
  • Que sejam mantidos os locais de debate que permitem a articulação entre o que vem sendo pesquisado academicamente com as práticas cotidianas secretariais.


O momento é de articulação e fortalecimento da profissão. Para isso é importante que conheçamos a nossa área a ponto de entender as suas peculiaridades e características, sem nos inferiorizarmos como área de atuação, nem relativizar a ponto de nos silenciarmos para conseguir uma aceitação ou maior valorização junto à sociedade. Passamos por uma era de mudanças e precisamos mudar, mudar para um cenário onde a classe esteja unida, fortalecida e bem estruturada. Onde saibamos a nossa missão. Onde enxerguemos de modo muito claro as possibilidades de atuação e, sem preconceitos, eu escolho a que melhor se adequa ao meu perfil. Estamos na era das relações humanas, onde precisamos nos comunicar, precisamos criar ambientes de diálogo e aprendermos uns com os outros. Esse é o foco. Usar padrões que não condizem com a nossa realidade nem sempre vai acrescentar. Pense nisso!

REFERÊNCIAS
BACHELARD, G. A Filosofia do Não; O Novo Espírito Científico; A Poética do Espaço. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; Traduções de Joaquim José Moura Ramos... (et. Al.) – 2 ed., Os Pensadores – São Paulo, Editora Abril Cultural, 1984.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2000.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. 2a ed. São Paulo, Cortez, 2004.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. Para um novo senso comum. A ciência o direito e a política na transição paradigmática. Vol. 1; 5 ed. São Paulo, Cortez, 2005.

Comentários

  1. Jefferson,

    Felizmente hoje já existe alguma bibliografia voltada exclusivamente para o secretariado.
    Há mais de 15 anos atrás, quando iniciei minha carreira, livros para a nossa área eram raros, visto que secretárias eram vistas como "anotadoras de recados".
    O SINSESP dispõe de vários títulos e a nossa categoria se fortalece ação após ação.
    Como você bem mencionou, criar espaços para o diálogo é fundamental para nós.
    Quando me perguntam se serei sempre "só" secretária, respondo: Que o Senhor assim permita!
    Não me vejo "só" secretária, me vejo uma profissional em posição estratégica, porque, de fato, muitas decisões passam por nós.

    "Uma máquina pode fazer o trabalho de cinquenta pessoas comuns, mas nenhuma pode fazer o trabalho de uma pessoa extraordinária.

    Elbert Hubbard

    Um abraço,

    Keysa

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