Do glamour ao popular: para uma formação emancipatória em secretariado



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Dias atrás, estava eu refletindo sobre a vida e várias lembranças vieram à tona, coisas do passado, e aquilo foi me fazendo refletir sobre diversas coisas. Uma delas, é que o tempo foi muito bondoso comigo e hoje consigo entender melhor tantas coisas que chego a me assustar em alguns momentos com o fato de eu ter vivido durante tanto tempo em meio à "ignorância". O tempo vai passando e a gente vai amadurecendo em relação a vários aspectos de nossas vidas, do afetivo ao profissional, tudo vai amadurecendo e no fim você vai se abrindo ao novo, ou pelo menos deveria ser assim.

O amadurecimento (físico, intelectual, afetivo, espiritual e profissional) deveria estar mais ligado à adaptabilidade do que à rigidez. Quando se amadurece, sabemos o que é bom, o que nos faz bem, mas ao mesmo tempo desenvolvemos uma capacidade imensa de querer o bem, fazer o bem e dar o melhor para as pessoas ao nosso redor. Amadurecer não é se fechar em uma caixinha, mas é perceber a importância do outro para a sua construção quanto sujeito. Uma pessoa realmente madura, é aquela que todo mundo deseja estar ao lado dela, pois sua presença emana boas energias e sabedoria. Sim, ser maduro é ser sábio. Saber quando falar, como falar, de que modo falar. É saber entrar e sair nos lugares e deixar ali uma lembrança boa de sua presença. É tocar os corações com um abraço. É ser coerente com seus ideais e sua postura. É mover energias boas para quem está precisando. É saber ouvir empaticamente, e ao mesmo tempo deixar ser ligado ao coração do próximo. Isso não é fácil. Nunca foi.

No processo chamado vida, várias coisas vão acontecendo para nos auxiliar o amadurecer. O trabalho, por exemplo. Marx já dizia que o trabalho faz parte da essência humana, o ato de transformar a natureza, para a obtenção de um bem necessário para o nosso bem-estar, está conosco desde os primórdios da sociedade. O ser humano tem a capacidade de julgar o que lhe é bom e se algo não é, é capaz de mudar, transformar e adaptar isso para que seja. O trabalho aqui é compreendido como algo muito mais amplo do que o trabalho formal dentro de organizações empresariais. Ele é visto como o ato físico e/ou intelectual com o objetivo de se obter, construir ou transformar algo. Nesse sentido mais amplo, trabalhamos sempre e assim construímos teias conexas com outros sujeitos com foco em uma realidade digna para ambos. Ao interagir com o outro, nesse processo, permito-me aprender com ele e a trocar experiências, de modo que saio do desconhecimento e passo a fazer parte de um conjunto social, onde se é esperado de mim uma postura que prima pelo bem-estar do todo.

Outro exemplo é a vida acadêmica. Os estudos estão desde cedo no nosso cotidiano, desde o ensino básico, compreendido como a educação infantil, fundamental e média, até a formação de nível superior, como a graduação e as pós-graduações. A educação, assim como o trabalho, está conosco diariamente. Nesse artigo, ela é compreendida como o ato de construção, transformação e divulgação dos conhecimentos historicamente, construídos pela humanidade, de modo que auxilie os sujeitos a terem uma vida útil e digna. A educação é entendida ainda em suas diversas formas, tanto formal como não formal. Aprendemos na escola, como também com o convívio social fora dos muros dela. Não conseguimos nos desprender dela, educamos e somos educados constantemente. 

A educação pode ser uma ferramenta de amadurecimento como um caminho para a soberba e para a hierarquização social. Ela pode ser libertadora, inclusiva, emancipatória, empoderadora e humanizada, como também pode ser excludente, violenta, elitista e desumanizada. Hoje presenciamos, no que se refere à educação formal, escola de tudo quanto é tipo, para todos os gostos e bolsos. Banalizamos as nossas formações e isso porque a sociedade capitalista nos exige formações específicas e super especializadas o mais rápido possível. Não há tempo para uma formação mais ampla e complexa, mas vale a obtenção do diploma o mais breve possível. É preciso trabalhar, trabalhar e ganhar dinheiro e para se ganhar muito dinheiro é preciso ter formação. Uma lógica bem simples. 

Quando a formação não permite o amadurecimento, poderia dizer também a libertação, a humanização e o empoderamento, ela abre brechas para a desumanização humana, onde o produto que oferto vale mais que a minha essência, onde meu coração é tirado e eu vou me mecanizando diariamente. Torno-me máquina. As máquinas têm uma característica muito interessante, elas conseguem produzir resultados rápidos e em grande quantidade, quando bem programadas conseguem até resolver problemas pré-conhecidos. O que elas não conseguem fazer é se adaptar à problemas novos e inéditos, buscando soluções para eles e, assim, resolvendo-os. Acredito que com o advento da inteligência artificial isso possa vir a acontecer, mas creio que essa tecnologia ainda demorará um pouco para ser acessível ao grande público. O que precisamos entender é que a educação formal de hoje nem sempre permitirá o amadurecimento, pode ser que ela esteja só te preparando para produzir resultados e, consequentemente, maquinizando seu ser. Fique atenta/o a isso. 

As relações diárias também ajudam o amadurecimento. Decepções, alegrias, perdões, amores, experiências e contatos influenciam no amadurecimento humano. Existem coisas que acontecem para te mostrar como não ser e outras para te mostrar a como ser. Toda experiência é válida, da mais alegre a mais triste. Todas te ajudam a evoluir. 

Ouso dizer que uma de nossas missões na terra seja o amadurecimento. As vezes dói, mas edifica. 

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Com o passar dos anos, percebi o quanto a profissão de secretariado é madura em sua essência. Secretariar é amadurecer todos os dias, em todos os momentos e em todos os lugares. A rigidez já não cabe na profissão, não deveria nunca ter cabido. Quando se fala que a profissão surgiu da necessidade de apoio, é importante ressaltar que o apoio era para seres humanos, não para um CNPJ. O apoio era para pessoas e ainda é. Pessoas diferentes, parecidas em alguns aspectos, mas diferentes em suas essências. Trabalhar com elas exige flexibilidade e amadurecimento.

A/o profissional de secretariado que não é flexível, não entendeu a lógica da profissão. Várias/os teóricas/os vêm comentando sobre a importância da flexibilidade na atuação dentro das empresas. Fala-se disso em tudo quanto é evento. Virou até um grande provérbio que todos conhecem, mas nem todos aplicam. Ser adaptável é a grande tarefa diária. Está aí outro desafio que não é fácil.

Em que medida os cursos de graduação em secretariado tem permitido um cenário que forme profissionais adaptáveis e flexíveis? De que modo isso é feito? Dois questionamentos chave para entendermos o porquê da dificuldade de ser adaptável e flexível. 

Temos uma educação básica que forma para homogeneidade, tanto que se você não está no nível da turma é reprovado. Tentam a todo momento padronizar os alunos e quando algum não se adequa, facilmente é patologizado com déficit de atenção ou hiperatividade. É mais fácil patologizar e assim medicar para resolver o problema do que buscar formas alternativas de educação que permita todos aprenderem, mesmo que de formas diferentes. Depois disso, o sujeito vai fazer uma faculdade que não foge muito desse padrão. 

As graduações formam profissionais no perfil que o mercado deseja. Mas que mercado é esse? Os professores e gestores escolares, comumente, focam em um mercado específico e assim formulam seus cursos com foco nele. Isso acontece constantemente, dentro do secretariado. Formamos nossas/os alunas/os para atuarem em grandes empresas, em ambientes formais, atendendo executivos (homens, ainda temos dificuldades de usar o termo executivas, mesmo sabendo de sua existência) de nome, ganhando salários altos e vestindo roupas de grife. Quando falamos em outras possibilidades, sempre damos algumas pinceladas e quando aprofundamos em alguma área diferente é sempre naquela que exige formalidade e ganha muito dinheiro. Pois bem, essas vagas são poucas e a maior parte de nossas/os alunas/os não chegarão a elas e isso não é um problema. A maior parte das/os discentes não tem nem perfil para elas. Dentro de sala é possível ver alunas/os que se adequam bem à assessoria de alta gestão, mas tem outras/os que gostam mais da assessoria tecnológica, outras/os que são magníficas/os na organização de eventos, algumas e alguns que amam trabalhar em pequenas empresas e assumir a chefia de setores, fora as/os que curtem a assessoria digital, de mídias sociais, ainda há espaço para aquelas e aqueles que preferem trabalhar na assessoria especializada para ONGs e Movimentos Sociais, fora as diversas outras possibilidades. 

A formação da/o profissional de secretariado precisa permitir que a/o discente veja todas essas possibilidades e escolha a que melhor se adequa ao seu perfil. É literalmente uma educação libertadora e emancipatória. Se a assessoria é uma área tão ampla, porque mostrar só um tipo que não será alcançada por todas/os? O que acontece é que discentes com perfis distintos estão sendo formadas/os para um perfil único e no fim acabam ficando frustradas/os por não atingirem aquele patamar que as vezes nem faz o perfil dela/e. É preciso que a formação discorra sobre cada perfil possível de atuação, sem padronizar e sem fechar as possibilidades. Não é exigir que as/os discentes usem terninho ou terno e gravata para realizar uma atividade, mas é mostrar que podem ser formais com outras roupas. Não é só formar para assessoria de alta gestão, mas ao tempo em que faz isso, forma para a pequena gestão. É abrir leques. Mostrar à/ao discentes que ela/e pode seguir a área que melhor se adequa ao seu perfil. É ensinar a ser glamourosa/o, vestindo roupas finas e lidando com pessoas importantes, mas também ensinar a ser básica/o, lidar com as equipes de serviços mais braçais da empresa de modo igualitário, respeitoso e com o valor que é dado a gestão da instituição. É ensinar a ser elegante sempre, seja no restaurante cinco estrelas, seja na lanchonete da empresa. É mostrar que a/o discentes pode ser a/o melhor secretária/o na empresa de grande porte como também no escritório odontológico. Sempre existirão alunas e alunos que preferem trabalhar com a alta gestão, mas haverá também as/os que preferem cargos que vemos, erroneamente, como inferiores. Isso não é um problema, nunca foi, é somente questão de interesse. 

Vale dizer que a ideia não é ofertar uma educação "fraca" ou simplista para pessoas que preferem vagas mais simples, mas sim ofertar uma educação tão boa que lhe permita ser a/o melhor naquilo que vai fazer, seja na recepção de uma loja ou numa multinacional. A/o discente conhecerá ambas as instituições e poderá escolher, sem pré-julgamentos, a que quer seguir. Se um dia quiser sair do telemarketing e ir para a gerência de um banco, fará, pois, estará preparada/o para isso, mas se quiser permanecer sempre ali, tudo bem também. Isso é uma educação libertadora e emancipatória.

As/os alunas/os precisam urgentemente conhecer novas possibilidades dentro do secretariado para que assim sejam mais felizes durante e depois de suas formações, consigam seus postos de trabalho e façam aquilo que as/os fazem felizes. A felicidade é a meta. 

Não é possível permitir o amadurecimento se não priorizarmos a felicidade profissional de nossas/os estudantes. Quando atentarmos para uma formação libertadora, em que a/o aluna/o pode ser quem ela/e deseja ser, aí sim estaremos permitindo e influenciando o amadurecimento profissional, humano e social de nossa população.

Referências
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
BENEVIDES, Maria Victoria. A cidadania ativa. São Paulo: Átila,  1991.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
MEDEIROS, João Bosco. HERNANDES, Sonia. Manual da Secretária Lei no. 9.26l/96. 7 ed. São Paulo : Atlas, 1999.
NONATO JUNIOR, Raimundo. Epistemologia e teoria do conhecimento em secretariado executivo: a fundação das ciências da assessoria. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2009.

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